12 de maio de 2020

Podíamos ter acontecido mas não acontecemos!





Sim, podíamos ter acontecido mas não acontecemos!

Tínhamos empatia, química, atracção, gosto um pelo outro e todas as outras coisas que os especialistas do Amor descobrem nos casais enamorados.

Estávamos a cair um no outro, a abraçar o espaço comum que é construído nestas coisas do enamoro, a descobrir gostos comuns, a partilhar ideias, a rir em simultâneo, 

O inicio da partilha do silêncio, aqui e ali, esse verdadeiro provador do bem-estar que criamos com os outros de que gostamos, sim, porque quando o silêncio deixa de pesar, passando a ser leve e intrínseco, é a prova cabal que podemos estar e ser com o outro sem palavras para dizer.

A criar cumplicidade única que mais tarde leva a intimidade e ao aconchego forte de um abraço terno, ao beijo que é pedido pelos olhos e dado pelo coração sincero.

Repartiste segredos e eu ouvi, com admiração pela tua entrega a causas corajosas, aos outros que precisam e a quem estendeste a mão e o teu amor sem condição de regras ou leis.

E eu fiquei tão surpreendido por dizeres não teres Fé, quando todos os teus textos e palavras se enchiam de Espiritualidade, pelo profundo sentido de Justiça que se alia à defesa da Liberdade e à Igualdade que preconizas,

Tens mundo e visão para além do horizonte, para além do mundano, tens olhar plantado no Universo,

E num repente, a tua urgência e a minha passividade encontraram-se e desequilibraram aquilo que até então estava junto.

A desilusão deu lugar a tudo o que antes existiu, abrindo uma brecha e depois a uma avalanche que tudo levou.

Ficou-me o “Se”…mas com “ses” o Mundo não se faz, nem se deixa fazer.

Podíamos ter acontecido mas não acontecemos!

8 de julho de 2014

Pai



Agarro-me às memórias na tua ausência,
às boas e menos bonitas.
De igual direito vivem em mim 
e fazem renascer-te aqui.

Não sei mais no que acredito:
vida eterna ou reencarnação.
Apenas sei que vives em mim.

Trago-te contigo em tantos gestos,
em tantas palavras, 
em tantos traços físicos que comungo,
em gostos, manias e teimosias.

Sou prova da tua existência, 
do teu percurso de vida terrena.
Sou vislumbre para os outros da tua presença,
lembrança viva do teu corpo e do teu jeito.

Sou sempre mais do que eu!
Descobri que sou eu e tu ao mesmo tempo,
para todos aqueles que te amaram 
e ainda te trazem no coração.

Sou pedaço de vida minha e também tua,
e assim a saudade enche e transborda,
quando te vejo também em mim, 
reflectido por um espelho,
que mostra pai e filho.







Estrada



Olha para a frente!
Olha lá!
Perscruta o horizonte!
E se ele nada te disser, desenha a estrada!

Faz a estrada rectilínea.
Nada de curvas pois os outros também desenham estradas
e muitas se atravessarão na tua estrada,
fazendo curvas e estrangulamentos,
bifurcações e cruzamentos.

Toma atenção!
Não andes nas estradas feitas pelos outros.
Essas são deles e de mais ninguém.
Existem estradas parecidas mas não iguais à tua,
não confundas, nem as tomes como tua.


Olha lá!
Olha para a frente!
Recta e longa, 
O piso não interessa, 
vais o fazendo ao longo do percurso.
Apenas não queiras ouro onde faz sentido terra,
não desejes cascalho onde se impõe alcatrão.


Olha a estrada!
Longa e recta!
E não te distraias com a paisagem,
a estrada fez-se para percorrer e não para admirar.

Olha e avança!
Com a vontade e sonhos,
percorre a estrada desenhada por ti.

O fim da estrada?
Não penses agora nele.
Está longe, muito longe.

E para que saibas...
há estradas que quase não têm fim!




Gota de água, oceano serás!



Partes e regressas, 
numa lembrança de vida,
numa construção de água em forma de gota,
com vida feita e desfeita em ciclos de uma constância eterna.

Voltas ao mar, e sobes ao céu.
Olhas e cais novamente aqui,
no meio de tudo e de nada.
Sem escolha do lugar que te acolhe,
dirigida por nuvens e ventos,
precipitas a tua queda.

Cais sobre homens e pedras,
sobre o que nasce e o que morre,
sobre o que vai e o que fica.
Entranhas na terra ou diluis no mar.

Mas és bênção que trazes vida,
que limpas e saras a terra ferida,
e conjugas oceanos e rios,
numa união de água corrida.

Deixas de ser gota,
passas a ser pertença de algo maior,
de oceano profundo de vida uníssona 
que, imenso de azul, reflecte como espelho
as outras gotas que moram no céu.

Aquelas que também cairão,
procurando-te e que encontram na diluição 
o novo estado da vida. 
Nesse regresso a origens ancestrais,
ao ponto da tua criação, 
ao berço do teu nascimento.

És água de oceano, de livre origem, 
sem barreiras de forma, 
partilhas finalmente com a Natureza aquilo que és.

Água, 
apenas e totalmente Água.

E nessa totalidade de pertencer a algo que te ultrapassa, 
pressentes a Verdade da tua real essência,
da tua missão e daquilo a que chamam de destino.

És gota mas oceano serás!






21 de maio de 2014

Estrela da manhã






Em cada palmo do teu corpo mora uma promessa de prazer.
Um suspiro de desejo. 
Um arfar de vontade.

Possuis um calor exuberante e vibrante.
Daquele que inflama e queima.
Daquele que traga a língua e os sentidos.
Que embrutece a razão e desperta o instinto.
Cativante e desafiante, espreguiças o teu desejo, 
levando o meu em uníssono.

O tempo pára e o espaço deixa de existir.
Criamos um espaço sideral fora do Cosmos.
Forte, cru e intenso!

Transmutamos em dois condenados,
numa busca louca da consumação total.
Dois escravos do prazer crescente e imparável,
e o desejo corporizado numa devoração carnal.
Arrebatados por uma força impossível,
uma força que nos esgota e nos acrescenta!

Tudo acresce e desmorona,
num projecto construído em cada instante,
com argamassa feita de pele,
com cimento de corpos colados.
A água do nosso suor a polvilhar os caminhos da pele,
em gotas que se unem e desunem na dinâmica dos corpos.
Doidos em desvario de desejo prestes a consumar,
na implosão e explosão de tudo o que em nós vive.

Como estrelas em busca de um novo céu!  

A paz será sempre feita por um abraço de uma criança!






Uma explosão!
A patrulha de soldados mergulhou no chão.
A pequena casa desapareceu sobre a explosão.
Aos poucos, depois da queda dos estilhaços da casa, foram-se erguendo.
Um dos novatos perguntou: "Foi nosso ou deles?".
Um dos veteranos respondeu de forma lacónica: "Não sei, nem interessa! Segue em frente!" debitou o homem com mais batalhas no corpo.
Do grupo de camaradas, distanciou-se um com divisas diferentes dos outros.
Aproximou-se dos escombros da casa.
"Cuidado, meu Tenente! Pode haver outro bombardeamento" - avisou um dos que para trás ficava.
O Tenente prosseguiu com cautela e como mandam as regras da escola militar.
Passo a passo aproximou-se dos escombros.
"Silêncio!" ordenou em voz baixa, acompanhando um gesto de paragem da patrulha.
Ouviu-se um soluço.
Seguido de outro.
Depois, os escombros ganharam um indicio de vida.
O Tenente aproximou-se mais. O soluçar fazia-se ouvir a cada passo da patrulha.
Os escombros revelaram uma mão pequenina que tentava desbravar caminho no meio das ruínas.
"Aqui!" ordenou o Tenente.
De imediato os seus subalternos rodearam-no em formação de batalha.
Cada um nos seus lugares pré-destinados, com as armas engatilhadas e as munições prontas.
A mão, pequena e suja, esticou-se em forma de pedido.
O Tenente apertou-a em sinal de ajuda.
"Ajudem aqui e ali!". As ordens do Tenente foram imediatamente cumpridas e sete homens de armas a tiracolo, subtraíram uma menina dos escombros.
De pé, em frente àqueles homens, a menina de olhos grandes e escuros olhava-os, agarrando ao seu colo um gato branco tingido com algum vermelho-sangue.
Por uns momentos, segundos ou minutos, nada nem ninguém se fez ouvir.
Nem o pequeno soluço da criança, nem as ordens dos soldados.
O silêncio encheu os ouvidos e as bocas de todos os que ali estavam.
O pequeno gato branco, de cabeça tombada nos braços de menina, contrastava com o pó negro que se colara à criança.
O Tenente esticou os braços e gentilmente colocou as suas mãos numa concha em frente aos braços da menina. Ela depositou carinhosamente o gatito nas mãos grandes do soldado.
"Podes salvá-lo?" a voz da criança abafou o silêncio.
O Tenente olhou para o pequeno felino sem vida.
"Os teus pais?" perguntou.
A menina apontou para os escombros.
"Sargento, procurem-nos!" ordenou o Tenente sem tirar os olhos da pequena criança.
Os soldados galgaram os escombros para iniciar a busca.
"Podes salvá-lo?" repetiu a menina. "Ele chama-se Branquinho!".
O Tenente voltou a olhar para o gato.
Tinha aqui e ali umas manchas de sangue resultado dos estilhaços que o haviam atingido.
"Não posso salvá-lo!" respondeu o Tenente.
A criança começou a chorar. Duas lágrimas projectaram-se contra a sujidade da face pequena, deixando o rastro de tristeza marcada.
"Talvez seja melhor assim!" disse a criança entre soluços.
O Tenente ajoelhou-se à frente da menina.
Os lábios mexeram-se mas não saiu som deles.
A menina abraçava-o com força. Num abraço sincero e forte.
O Tenente correspondeu, e no meio daqueles escombros de uma casa desfeita, de uma batalha que ainda se travava, de uma guerra que se prolongava, chorou pela primeira vez com lágrima de verdade.





26 de março de 2010

Sou...



Sou bem e sou mal.
Sou verdadeiro e sou hipócrita.
Sou união e sou solidão.
Sou riso e sou lágrimas.
Sou corajoso e sou cobarde.
Sou improviso e sou lei.
Sou metódico e sou caos.
Sou beijo e sou sofrimento.
Sou gula e sou privação.
Sou devoto e sou descrente.
Sou sonhador e sou realista.
Sou doce e sou amargo.
Sou confiança e sou angústia.
Sou forte e sou frágil.
Sou família e sou eremita.
Sou voluntário e sou indiferente.
Sou humilde e sou arrogante.
Sou alegria e sou nostalgia.
Sou salvador e sou carcereiro.
Sou propósito e sou esquisso.
Sou paixão e sou desapego.

Sou tudo isto…

Apenas uns dias sou mais e noutros menos.