21 de maio de 2014

Estrela da manhã






Em cada palmo do teu corpo mora uma promessa de prazer.
Um suspiro de desejo. 
Um arfar de vontade.

Possuis um calor exuberante e vibrante.
Daquele que inflama e queima.
Daquele que traga a língua e os sentidos.
Que embrutece a razão e desperta o instinto.
Cativante e desafiante, espreguiças o teu desejo, 
levando o meu em uníssono.

O tempo pára e o espaço deixa de existir.
Criamos um espaço sideral fora do Cosmos.
Forte, cru e intenso!

Transmutamos em dois condenados,
numa busca louca da consumação total.
Dois escravos do prazer crescente e imparável,
e o desejo corporizado numa devoração carnal.
Arrebatados por uma força impossível,
uma força que nos esgota e nos acrescenta!

Tudo acresce e desmorona,
num projecto construído em cada instante,
com argamassa feita de pele,
com cimento de corpos colados.
A água do nosso suor a polvilhar os caminhos da pele,
em gotas que se unem e desunem na dinâmica dos corpos.
Doidos em desvario de desejo prestes a consumar,
na implosão e explosão de tudo o que em nós vive.

Como estrelas em busca de um novo céu!  

A paz será sempre feita por um abraço de uma criança!






Uma explosão!
A patrulha de soldados mergulhou no chão.
A pequena casa desapareceu sobre a explosão.
Aos poucos, depois da queda dos estilhaços da casa, foram-se erguendo.
Um dos novatos perguntou: "Foi nosso ou deles?".
Um dos veteranos respondeu de forma lacónica: "Não sei, nem interessa! Segue em frente!" debitou o homem com mais batalhas no corpo.
Do grupo de camaradas, distanciou-se um com divisas diferentes dos outros.
Aproximou-se dos escombros da casa.
"Cuidado, meu Tenente! Pode haver outro bombardeamento" - avisou um dos que para trás ficava.
O Tenente prosseguiu com cautela e como mandam as regras da escola militar.
Passo a passo aproximou-se dos escombros.
"Silêncio!" ordenou em voz baixa, acompanhando um gesto de paragem da patrulha.
Ouviu-se um soluço.
Seguido de outro.
Depois, os escombros ganharam um indicio de vida.
O Tenente aproximou-se mais. O soluçar fazia-se ouvir a cada passo da patrulha.
Os escombros revelaram uma mão pequenina que tentava desbravar caminho no meio das ruínas.
"Aqui!" ordenou o Tenente.
De imediato os seus subalternos rodearam-no em formação de batalha.
Cada um nos seus lugares pré-destinados, com as armas engatilhadas e as munições prontas.
A mão, pequena e suja, esticou-se em forma de pedido.
O Tenente apertou-a em sinal de ajuda.
"Ajudem aqui e ali!". As ordens do Tenente foram imediatamente cumpridas e sete homens de armas a tiracolo, subtraíram uma menina dos escombros.
De pé, em frente àqueles homens, a menina de olhos grandes e escuros olhava-os, agarrando ao seu colo um gato branco tingido com algum vermelho-sangue.
Por uns momentos, segundos ou minutos, nada nem ninguém se fez ouvir.
Nem o pequeno soluço da criança, nem as ordens dos soldados.
O silêncio encheu os ouvidos e as bocas de todos os que ali estavam.
O pequeno gato branco, de cabeça tombada nos braços de menina, contrastava com o pó negro que se colara à criança.
O Tenente esticou os braços e gentilmente colocou as suas mãos numa concha em frente aos braços da menina. Ela depositou carinhosamente o gatito nas mãos grandes do soldado.
"Podes salvá-lo?" a voz da criança abafou o silêncio.
O Tenente olhou para o pequeno felino sem vida.
"Os teus pais?" perguntou.
A menina apontou para os escombros.
"Sargento, procurem-nos!" ordenou o Tenente sem tirar os olhos da pequena criança.
Os soldados galgaram os escombros para iniciar a busca.
"Podes salvá-lo?" repetiu a menina. "Ele chama-se Branquinho!".
O Tenente voltou a olhar para o gato.
Tinha aqui e ali umas manchas de sangue resultado dos estilhaços que o haviam atingido.
"Não posso salvá-lo!" respondeu o Tenente.
A criança começou a chorar. Duas lágrimas projectaram-se contra a sujidade da face pequena, deixando o rastro de tristeza marcada.
"Talvez seja melhor assim!" disse a criança entre soluços.
O Tenente ajoelhou-se à frente da menina.
Os lábios mexeram-se mas não saiu som deles.
A menina abraçava-o com força. Num abraço sincero e forte.
O Tenente correspondeu, e no meio daqueles escombros de uma casa desfeita, de uma batalha que ainda se travava, de uma guerra que se prolongava, chorou pela primeira vez com lágrima de verdade.