8 de julho de 2014

Pai



Agarro-me às memórias na tua ausência,
às boas e menos bonitas.
De igual direito vivem em mim 
e fazem renascer-te aqui.

Não sei mais no que acredito:
vida eterna ou reencarnação.
Apenas sei que vives em mim.

Trago-te contigo em tantos gestos,
em tantas palavras, 
em tantos traços físicos que comungo,
em gostos, manias e teimosias.

Sou prova da tua existência, 
do teu percurso de vida terrena.
Sou vislumbre para os outros da tua presença,
lembrança viva do teu corpo e do teu jeito.

Sou sempre mais do que eu!
Descobri que sou eu e tu ao mesmo tempo,
para todos aqueles que te amaram 
e ainda te trazem no coração.

Sou pedaço de vida minha e também tua,
e assim a saudade enche e transborda,
quando te vejo também em mim, 
reflectido por um espelho,
que mostra pai e filho.







Estrada



Olha para a frente!
Olha lá!
Perscruta o horizonte!
E se ele nada te disser, desenha a estrada!

Faz a estrada rectilínea.
Nada de curvas pois os outros também desenham estradas
e muitas se atravessarão na tua estrada,
fazendo curvas e estrangulamentos,
bifurcações e cruzamentos.

Toma atenção!
Não andes nas estradas feitas pelos outros.
Essas são deles e de mais ninguém.
Existem estradas parecidas mas não iguais à tua,
não confundas, nem as tomes como tua.


Olha lá!
Olha para a frente!
Recta e longa, 
O piso não interessa, 
vais o fazendo ao longo do percurso.
Apenas não queiras ouro onde faz sentido terra,
não desejes cascalho onde se impõe alcatrão.


Olha a estrada!
Longa e recta!
E não te distraias com a paisagem,
a estrada fez-se para percorrer e não para admirar.

Olha e avança!
Com a vontade e sonhos,
percorre a estrada desenhada por ti.

O fim da estrada?
Não penses agora nele.
Está longe, muito longe.

E para que saibas...
há estradas que quase não têm fim!




Gota de água, oceano serás!



Partes e regressas, 
numa lembrança de vida,
numa construção de água em forma de gota,
com vida feita e desfeita em ciclos de uma constância eterna.

Voltas ao mar, e sobes ao céu.
Olhas e cais novamente aqui,
no meio de tudo e de nada.
Sem escolha do lugar que te acolhe,
dirigida por nuvens e ventos,
precipitas a tua queda.

Cais sobre homens e pedras,
sobre o que nasce e o que morre,
sobre o que vai e o que fica.
Entranhas na terra ou diluis no mar.

Mas és bênção que trazes vida,
que limpas e saras a terra ferida,
e conjugas oceanos e rios,
numa união de água corrida.

Deixas de ser gota,
passas a ser pertença de algo maior,
de oceano profundo de vida uníssona 
que, imenso de azul, reflecte como espelho
as outras gotas que moram no céu.

Aquelas que também cairão,
procurando-te e que encontram na diluição 
o novo estado da vida. 
Nesse regresso a origens ancestrais,
ao ponto da tua criação, 
ao berço do teu nascimento.

És água de oceano, de livre origem, 
sem barreiras de forma, 
partilhas finalmente com a Natureza aquilo que és.

Água, 
apenas e totalmente Água.

E nessa totalidade de pertencer a algo que te ultrapassa, 
pressentes a Verdade da tua real essência,
da tua missão e daquilo a que chamam de destino.

És gota mas oceano serás!